segunda-feira, 6 de fevereiro de 2012

MÁRIO QUINTANA - um eterno aprendiz


Mário Quintana, poeta e tradutor gaúcho nascido em Alegrete, em 30 de julho de 1906, morreu em 5 de maio de 1994, em Porto Alegre. Trabalhou em vários jornais gaúchos. Traduziu Proust, Conrad, Balzac e outros autores de importância. Em 1940, lançou a "Rua dos Cataventos", seu primeiro livro de poesias. Ao que seguiram Canções (1946), Sapato Florido (1948), O aprendiz de Feiticeiro (1950), Espelho Mágico (1951), Quintanares (1976), Apontamentos de História Sobrenatural (1976), A Vaca e o Hipogrifo (1977), Prosa e Verso (1978), Baú de Espantos (1986), Preparativos de Viagem (1987), além de várias antologias.

Mário Quintana declamado por Paulo Autran


Leiam essa entrevista preciosa que achei no "Jornal da Poesia." O entrevistador, Lau Siqueira, poeta gaúcho, na época era casado com a jornalista paraibana Joana Belarmino. Joana foi minha colega de trabalho, no tempo em que trabalhei no Jornal O NORTE, jornal centenário, que subitamente fechou as suas portas no dia 1º deste mês.

A ENTREVISTA (concedida a Lau Siqueira e Joana Belarmino, no dia 16 de Janeiro de 1987):

"Caros amigos, em janeiro de 87, eu e minha ex-mulher, jornalista e hoje professora do Curso de do Curso de Comunicação da UFPB, estávamos em Porto Alegre visitando minha família e resolvemos entrevistar o poeta Mário Quintana que acabava de completar 80 anos.
A entrevista foi publicada pelo Jornal O Norte, no dia 25 de janeiro de 1987. Aquele momento, inegavelmente, foi um dos mais belos da minha vida. Além da entrevista, gozamos momentos de extrema amabilidade por parte do poeta. Segue aí a entrevista, na íntegra. Desculpem os prováveis erros, já que a emoção se renova. A revisão fica, pois, por conta de cada um. Minha intenção é, apenas, repartir essa exclusividade. Certamente que há muito de ingenuidade em algumas perguntas, mas, inegavelmente há uma riqueza na espontaneidade e na inteligência de respostas reveladoras que valem a leitura. Nosso objetivo não era construir um "quase ensaio" (como alguns panacas metidos) onde os entrevistadores fossem as grandes estrelas diante de um "entrevistado suporte", mas, apenas "bater um papo" descontraído com um dos mais originais poetas da Literatura de Língua Portuguesa. Bom proveito. Penso que temos aqui uma relíquia.

Há braços!

Lau Siqueira

 

Mário Quintana:  A ABL virou um depósito de ministros
 
Aos 80 anos, o poeta está mais avesso à Academia 

No verão, a cidade de Porto Alegre vai nos envolvendo aos poucos, com suas galerias, seus trombadinhas altivos... Às três da tarde, a Rua da Praia ferve de gente. Na praça da Alfândega, protestantes com seus discursos inflamados e um cego tocando música nativa em sua gaita, disputam ouvidos indiferentes. Cinco da tarde, o sol ficou mais fresco. Em alguma calçada da rua barulhenta, um velhinho caminha seu passo lento. Parece distraído, parece ausente, mas... ele é todo atenção aos ruídos, aos cheiros de pêssegos maduros e de jornais... aos sotaques dos turistas argentinos, uruguaios ou nordestinos.
E se alguém o surpreende de olhos fechados e comenta: "É o Mário Quintana, como está velhinho"... não percebe que ele está se lembrando de outra cidade, a Porto Alegre de sessenta, quarenta, oitenta anos atrás, tão mais calma, com suas carrocinhas de leite nas portas.
Dedicamos uma semana de nossas férias a Porto Alegre, quando voltávamos da fronteira, mas, não tivemos a oportunidade de surpreender o poeta em um de seus passeios. Fomos encontrá-lo no dia 16 de janeiro, no hotel onde reside: Porto Alegre Residence. Munidos de gravador e com as emoções todas saindo pelos poros, subimos ao oitavo andar e pressionamos a cigarra do 805.
Mário tem secretária. Ela disse que teríamos apenas meia hora para conversar com o poeta. Ele nos chamou para o seu quarto e pediu cafés.
É alegre e simples. Já não ouve muito bem, mas, pudemos constatar que ao longo desses anos todos, vividos quase que exclusivamente para a poesia, sua lucidez e um senso de humor incomparável se mantém inalterados.
Naquela meia hora alongada por vontade do poeta, sob os protestos da sua secretária, falou-se de poesia, de velhice, de Academia... entre muitas risadas de dois deslumbrados entrevistadores e de um menino, um velho, um sábio... sabemos lá!!!
Houve um tempo em que Mário Quintana ficou sem ter onde morar. Foi quando o expulsaram do hotel Magestic, no centro de Porto Alegre. Foi despejado, uma vez que o jornal onde trabalhava (Correio do Povo) tinha ido à falência. O poeta saiu e o hotel se transformou, ironicamente, na famosa "Casa de Cultura Mário Quintana".
Às vezes, com sua voz trêmula, ele faz pausas para se lembrar de palavras, coordenar frases. A gente tem a impressão que está se gastando em poesia. Poesia que ainda escreve diariamente, como se tivesse pressa, ou como se quisesse aprender sempre.
"Eu sou um eterno aprendiz de poeta e nunca soube fazer outra coisa na vida... No quarto ano do colégio, eu fui reprovado porque só estudava Português, Francês e História. O resto eu nem abria. Então meu pai me fez trabalhar na sua farmácia como prático. Depois de cinco anos fui fazer o que mais queria, trabalhar como jornalista no Jornal O Estado do Rio Grande".
E Mário fugia de tudo para perseguir a poesia. Publicou seu primeiro livro aos 34 anos, apesar de fazer versos desde menino. Desde então tem mantido a média de dois ou mais livros por ano. Este ano deverá publicar: "Da preguiça como método de trabalho" e "Preparativos para viagens".
Acabamos a entrevista, os papos se alongaram... já íamos sair quando o poeta nos mostrou um segredo: um painel de fotografias de Bruna Lombardi na porta do seu quarto (lado de dentro, lógico!). Confessou que não fica muito à vontade quando lhe pedem, freqüentemente, para falar de sua relação com a atriz: "Que coisa chata, como é que eu vou explicar uma amizade? Acho também que a amizade é um tipo de amor que não acaba nunca".
P - Existe alguma pergunta que os jornalistas sempre fazem e que você considera chata?
R - Não. O que existe é uma pedida chata. Há pessoas que dizem, por exemplo: "Seu Mário, faz uma dedicatória bem poética pra mim... Olha, o que eles entendem por poética me deixa horrorizado.
P - Quando foi que a poesia entrou na sua vida?
R - Eu comecei a fazer versos desde que me entendi por gente. Eu acho que ser poeta não é uma maneira de escrever, é uma maneira de ser. Assim, como nascem pessoas de olhos azuis ou pretos, nascem também os poetas. Mas eu só publiquei mesmo o meu primeiro livro muito mais tarde. Os poetas novos têm ânsia de publicar logo, eles deveriam esperar ficar mais amadurecidos pela vida, não é? E assim, iriam amadurecendo também o seu instrumento, que são as palavras. O poeta quando mais velho tem tendência de ficar melhor, com o estilo mais depurado. Viveu mais, não é?
P - Você acha que Mário Quintana já está pronto, é um bom poeta?
R - Olha, eu sou um eterno aprendiz. Porque o poeta que descobre uma fórmula, ganha renome, não quer outra vida, e fica conversando com os amigos sentado em cima do muro sem se espetar, esse está perdido, porque eu acho que a poesia não é mais que a procura da poesia, como acho que também Deus se resume na procura de Deus. Eu publiquei meu primeiro livro aos 34 anos. Foi "A Rua dos Cataventos".

P - O que você acha da velhice?
R - Eu acho que é uma pena. Só que eu queria ter nascido 40 anos antes, e não oitenta anos antes (risos). Tudo isso eu já vivi, sabe? Quando o diabo me chamar eu já estou pronto.
P - Você já viveu oitenta anos. O que é que mudou em Porto Alegre desse período pra cá?
R - Olha, naturalmente o que mudou foi a arquitetura, não é? Eu vejo sempre uma cidade dentro da outra e lembro aquela cidade antiga. Mas pra me lembrar dela eu tenho que fechar os olhos (risos). Porto Alegre, antigamente, era muito mais calma. Não havia tantos assaltos, tanta violência... eu nasci no tempo das vacas gordas. Antes, o leiteiro deixava o leite na porta de casa e ninguém roubava. Hoje roubam até as galinhas dos despachos. Os tempos mudaram, os costumes, mas a vida continua a mesma. Eu não sou como aqueles velhos que dizem: "Ah, os bons velhos tempos..." eu tenho vontade de dizer para eles: "Olha seu moço... seu moço, não, seu velho. Os tempos são sempre bons, o senhor é que não presta mais... (risos).
P - Você continua a escrever poesia com freqüência? Publicará algum livro este ano?
R - Olha, eu não sei fazer outra coisa na vida. Este ano vou publicar dois livros: Um diário poético, com pensamentos sobre cada dia. No dia universal da mulher, por exemplo, eu escrevi o seguinte: " De cada dois gambás - eu não sei se na Paraíba se usa a palavra gambá para se definir um bêbado - um é porque não tem mulher e o outro é porque tem. (risos).
P - Já se tentou três vezes colocar o seu nome na Academia Brasileira de Letras e não se conseguiu. Qual é, agora, a sua relação com a Academia?
R - As minhas relações com a Academia foram sempre boas, eu sempre me dei com gente de lá. Não estou dizendo que "as uvas estão verdes", mas, na verdade eu nunca quis pertencer à Academia. O pessoal de mentalidade futebolística não se satisfazia com apenas um nome gaúcho no time e achavam que devia ter outro lá. Resolveram me candidatar. Quando me candidataram da primeira vez, eu recebi o recado de um senador, que estava tudo preparado para entrar o Portela, os votos já estavam prontos e que eu deveria desistir... e eu disse para ele, por telefone, que não haveria de desistir porque o pessoal iria pensar que era covardia minha. E seria muita desconsideração de minha parte. Aliás, eu não gosto de Academia e jamais quis pertencer a ela porque a gente perde um tempo enorme recebendo visitantes estrangeiros de valor muito suspeito. Se pensa que ser estrangeiro é grande coisa, que se francês ou inglês é uma raridade e não é bem assim. Depois, na Academia, se começa a discutir quem vai ser o sucessor de quem, se recebe impressões de toda a parte para se votar e eu acho que isso atrapalha a vida do camarada, não é? Eu acho que ultimamente a Academia virou um depósito de ministros e com o perdão de alguns amigos que eu tenho lá, um asilo de velhos. Mas eu não tenho nada contra a Academia. De fato não há contradição minha em lamentar que não tenha sido eleito porque eu tencionava fazer tudo pela Academia, se fosse eleito. Acho que, antes de tudo, ela deveria ter muita gente jovem. Eu acho que já seria uma renovação e acabava com aquela coisa. Na academia, já não gostaram muito de mim porque dois anos antes da minha candidatura eu tinha dito que a Academia era uma espécie de sociedade recreativa e funerária (risos).
P - Como é o dia-a-dia de Mário Quintana?
R - Bem, eu acordo de manhã, vivo de dia e durmo de noite. Não tem nada de especial. Eu escrevo, ando, visito amigos...
P - Mário, cita dois ou três poetas brasileiros que você considera bons.
R - Olha, eu não gosto de citar. Eu só citarei um para evitar, depois, emissões inadvertidas ou divertidas. Eu citarei o Carlos Drummond de Andrade que é um dos poetas mais complexos do nosso País.
P - Mário, você fala muito do amor nos seus poemas. Mas, você não se casou, não teve filhos. Como explica isso?
R - Talvez porque não tenha tido tempo. Eu andei muito. Antes eu trabalhava em Alegrete, cidade onde nasci. Ali fui prático de farmácia. Mas quando estava esquentando uma coisa eu mudava para outra. No quarto ano do colégio eu fui reprovado porque só estudava Português, Francês e História. O resto eu nem abria e um dia meu pai disse: "Olha, você não quer estudar. É uma pena, mas, vagabundo não te quero. Vais trabalhar na minha farmácia. " E eu fui prático de farmácia por cinco anos. Depois quando ele faleceu, eu fui fazer a única coisa que eu gostava: fui trabalhar de jornalista no Estado do Rio Grande. Quando as coisas estavam esquentando de novo o Governador mandou fechar o Estado do Rio Grande. Era o Flores da Cunha. Ele era um velho caudilho (risos). Aí fui trabalhar na Gazeta de Notícias, no Rio. Isso em 1936. Estive lá dois anos e aí fui trabalhar na Livraria do Globo. E sempre andando de um lado para o outro. E aí não tive tempo. Como é que vou saber porque é que não casei. Deve ter sido por causa dos astros, né? Vamos culpar os astros (risos).
P - (Joana) - Casou com a poesia?
P - (Lau) - Não, a poesia não é um casamento. É um caso, não é?
R - Ah... a poesia é um caso mesmo!
P - Quantos livros você traduziu?
R - Eu traduzi para a Livraria do Globo, cento e trinta e oito livros. No tempo em que eu era criança, o francês era moda e a minha mãe era professora de francês. Então, quando a gente, por exemplo, não queria que os empregados soubessem o que a gente estava dizendo, aí se falava em francês. Grande parte da revolução de 23, por exemplo, foi preparada em francês, porque se reuniam as senhoras dos oficiais para tomarem chá e comunicavam as coisas todas em francês. Imagine que na minha terra, em Alegrete, se fez revolução em francês. Que barbaridade! Naquele tempo as comunicações com a Europa eram bem mais fáceis que hoje. A França era a capital literária do mundo. Eu, quando estava na farmácia do velho, tinha conta numa livraria francesa. Eles mandavam os boletins e eu encomendava. Tudo vinha direto de Paris para Alegrete.
P - Que recado você vai mandar para os paraibanos?
R - Ah, eu quase fui morar na Paraíba. Porque eu servi na revolução de trinta e quando houve aquela batalha de Itararé (que não houve) eu estava na cidade de Rio Branco, no norte do Paraná. Aí se chegou a um acordo e o tenente, que era da Paraíba, me ofereceu o cargo de tenente-contador. Mas eu disse pra ele que não pretendia ser soldado, nem prosseguir no serviço militar porque preferia voltar para o Sul. Isso aí por um lado foi bom, não é? Porque depois houve um golpe na Paraíba, imagine, eu poderia ter morrido... (risos)"


CITAÇÕES DE QUINTANA

"A amizade é um amor que nunca morre."

"Há 2 espécies de chatos: os chatos propriamente ditos e ... os amigos, que são os nossos chatos prediletos."

"Tão bom morrer de amor e continuar vivendo."

"O tempo não pára! Só a saudade é que faz as coisas pararem no tempo..."

"O segredo é não correr atrás das borboletas... É cuidar do jardim para que elas venham até você."

"A preguiça é a mãe do progresso. Se o homem não tivesse preguiça de caminhar, não teria inventado a roda."

"O passado não reconhece o seu lugar: está sempre presente."

"O pior dos problemas da gente é que ninguém tem nada com isso."

"Há noites que eu não posso dormir de remorso por tudo o que eu deixei de cometer."

"Quando alguém pergunta a um autor o que este quis dizer, é porque um dos dois é burro."

"Não importa saber se a gente acredita em Deus: o importante é saber se Deus acredita na gente..."

"Um bom poema é aquele que nos dá a impressão de que está lendo a gente ... e não a gente a ele!"

"Os verdadeiros analfabetos são os que aprenderam a ler e não lêem."

"Sempre me senti isolado nessas reuniões sociais: o excesso de gente impede de ver as pessoas..."

"Esses que puxam conversa sobre se chove ou não chove - não poderão ir para o Céu! Lá faz sempre bom tempo..."

"Melancolia...maneira romântica de ficar triste."

"Dizes que a beleza não é nada? Imagina um hipopótamo com alma de anjo... Sim, ele poderá convencer os outros de sua angelitude - mas que trabalheira!"

"Não me ajeito com os padres, os críticos e os canudinhos de refresco: não há nada que substitua o sabor da comunicação direta."

"Se alguém te perguntar o que quiseste dizer com um poema, pergunta-lhe o que Deus quis dizer com este mundo..."

"Minha vida é uma colcha de retalhos. Todos da mesma cor."

"No fundo, não há bons nem maus. Há apenas os que sentem prazer em fazer o bem e os que sentem prazer em fazer o mal. Tudo é volúpia..."

"A indulgência é a maneira mais polida de desprezar alguém."

"POEMINHA DO CONTRA
Todos estes que aí estão
Atravancando o meu caminho,
Eles passarão.
Eu passarinho!"

Um comentário:

  1. Cynthia

    Como sempre tocando os nosos corações com postagens lindas. Adorei. A naturalidade da entrevista, a simplicidade e espontaneidade de Mário Quintana é algo quase visceral, a gente quase que se transpora para aquele apartamento, a sensação é de que estamos juntos com Lau e Joana (minha ex-companheira de Conselho Municipal de Saúde)ouvindo, atentamente, o entevistado. Tão informal, tão verdadeiro. É de pessoas assim que o mundo precisa. Infelizmente já não está ente nós, mas, creio que jamais morrerá. A sua poesia não precisou do fardão, vesti-lo ou não seria uma mera consequência de sua veia poética. Sensacional o tema, maravilhosa a blogueira. Parábens. Lourdinha

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