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terça-feira, 19 de abril de 2011

Nordestino, negro, feio, baixinho e pobre

O Secretário de Cultura da Paraíba, Chico César, disse recentemente que as verbas públicas não serão destinadas ao pagamento de cachês de artistas de apelo comercial. (Leia-se forró eletrônico ou de "plástico" e das duplas sertanejas).
Para Gilvan Freire, analista político, a frase foi um "suicídio". 
Confira o artigo:

CHICO CÉSAR TENTA O SUICÍDIO

(Gilvan Freire)



Negro, feio, baixinho, pobre e nascido no interior do Nordeste
brasileiro, Chico César venceu, ao nascer, a primeira barreira contra a vida
– a mortalidade infantil que matava mais de 60 crianças em 1000 antes que
completasse um ano de idade. E as que morriam (e ainda morrem) são todas dessa valente raça de Chico, os pobres.
De negro Chico César não haveria de morrer, porque num lugar
qualquer do planeta os negros terão de mostrar a qualquer custo, até como
vítimas das mais sangrentas adversidades, discriminações odientas e barbáries
animalescas, que a pele não pode ser elemento da distinção entre os filhos do
mesmo Deus, que é Pai de todos.
Há certos instantes da humanidade em que negros são levados a
exibir um traço de superioridade racial estonteador, o que acontece na história
contemporânea nos exemplos de Obama, Luther King e Mandela. A rigor, isso não é desigualdade racial invertida – embora pareça, é pura desigualdade social reversa, dessas em que a sociedade colhe frutos melhores do que a semente podre que plantou.
De feio Chico César não morreu. Se Deus discriminasse os feios, Chico César com um dia de vida não teria ultrapassado a barreira da feiúra precoce.
E Chico em sua trajetória de vida ampliou esses atributos. Ficou ainda mais feio
usando um look bastante agravador.
O padrão de beleza varia com os tempos. Gordos e magros, morenos
e claros, pretos e brancos e até mesmo pessoas pálidas e homens carecas chegam a ser os preferidos, em certas épocas. Enéias (eu sou Eneeéias!) foi figura feia e interessante na televisão, recentemente.
A Gioconda, obra prima de Leonardo da Vinci (1452/1519), mulher feia
de corpo disforme, foi símbolo de beleza de seu tempo. Raul Cortez já foi escolhido sexy simbol. É um disparate. Chico César tem a beleza de seu talento e raça. E quanto mais se esforça para ficar mais feio, mais interessante fica, porque ele é um conjunto de dons excepcionais onde a beleza está no todo, e não nas partes. Ele próprio criou sua caricatura exótica como traço de sua identidade cultural diferenciada. É sábio.
De baixinho e pobre Chico não morre, já que de feio, que é pior do que ser baixo, não morreu. O talento é um recurso natural que faz de um homem baixo
um homem grande. Nesse aspecto, Chico é enorme.
De pobre... bem, ser pobre é estar desafiado a correr de estômago
vazio. A vida é uma corrida de obstáculos que se vence pelas pernas, pela ousadia, pela obstinação. As feras vencem quando estão famintas.
Chico César vitoriou faminto. Saiu do ventre do Nordeste e da Mama África ancestral remota e se fez ouvir no mundo inteiro. Venceu todos os preconceitos que poderiam lhe vencer.
Agora, contudo, discriminando a diversidade cultural – logo ele, um
músico da pluralidade cultural e da diversidade humana –, Chico César atenta contra a sua biografia. Comete crime contra sua própria identidade. Uma tentativa de suicídio figurado – Chico César atira em Chico César.
Mas ele de tão resistente e bravo sobreviveu, embora gravemente
ferido. E só não consumou o delito porque faltou-lhe o propósito, a intenção de se matar.

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